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Tendências Globais do Cultivo e Auto Produção Doméstica de Cannabis Sativa para Fins Terapêuticos - Motivações e Impactos - Uma revisão sistemática da literatura

  • Foto do escritor: Carlos Eduardo Brandão Fonseca
    Carlos Eduardo Brandão Fonseca
  • 24 de fev. de 2024
  • 25 min de leitura

Atualizado: 3 de mar. de 2024

RESUMO 

Diversos estudos oferecem evidências da eficácia da Cannabis Sativa para fins medicinais e terapêuticos. Este estudo realizou um levantamento das tendências globais da produção nacionalizada do cultivo e auto produção doméstica de cannabis para fins medicinais de países aderentes à regulamentação, através de uma revisão sistemática da literatura. A partir dos resultados obtidos, foi possível observar impactos positivos na questão financeira, por meio da arrecadação de impostos e geração de empregos, além da redução dos custos dos extratos, e também impactos na questão da saúde pública à curto prazo, com a redução do consumo de álcool, tabaco e também de opióides. No entanto, são necessários mais estudos para maior embasamento do tema.

Palavras-Chave: cannabis, cultivo, auto produção, tendências globais, canabidiol


Autor: Carlos Eduardo Brandão Fonseca

Instituição de Ensino: Universidade Federal Fluminense (UFF)

Co-Autor: Fernando Oliveira de Araujo

Instituição de Ensino: Universidade Federal Fluminense (UFF)



1. Introdução

A Cannabis Sativa é uma questão de saúde pública, é uma das plantas mais cultivadas e utilizadas. Em 2018, a prevalência do uso de cannabis entre pessoas de 15 a 64 anos foi estimada em 3,8% (2,7%-4,9%), ou cerca de 200 milhões de pessoas que usam cannabis globalmente (DEGENHARDT, FERRARI e HALL, 2017).



Segundo Fasesan e Carson (2022), a cannabis foi adotada por razões econômicas, razões médicas, por ser fonte de fibras têxteis, comestíveis, por produzir compostos narcóticos e psicoativos e também por produzir fibras de cânhamo para agentes bioplásticos e antibacterianos. Além disso, o CBD tem propriedades antioxidantes, antiinflamatórias e analgésicas e é altamente eficaz como composto sedativo, ansiolítico, anticonvulsivo, hipnótico e anti-náusea. (BARCHEL e STOLAR, 2019; JUNIOR e ALBUQUERQUE, 2021; LIHI BAR-LEV, 2019; BILGE e EKICI, 2021; ARAN e CASSUTO, 2019; LYNCH e CAMPBELL 2011; WHITING 2015; MARTIN-SANCHEZ 2009; DESHPANDE 2015; BLAKE, 2006; SKRABEK 2008; WARE 2010; ABRAMS 2011). 

De acordo Chandra (2016), a cannabis é predominantemente uma erva anual de origem asiática central, que, fortemente influenciado pelo homem ao longo de vários milênios, se adaptou a crescer em quase todas as partes do mundo, dos trópicos à periferia do Círculo Polar Ártico. É uma das fontes vegetais mais antigas para alimentos, fibras têxteis e remédios. Foi apenas no século passado que as espécies também se tornaram sinônimo de uso como droga recreativa. 

Conforme citado por Perini e Prochmann (2018), o uso dos componentes extraídos da cannabis, em especial o canabidiol (CBD), é indicado, de acordo com estudos científicos, para o tratamento de diversas patologias, isso fez com que o uso de cannabis para fins terapêuticos fosse legalizado ou descriminalizado em muitas jurisdições (NEWTON-HOWES, 2017). Inclusive, em 2016 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou e reconheceu as substâncias da cannabis como medicinal (RDC 03/2015 e RDC 17/2015), retirando a classificação de “substância proibida” para “sujeita a controle especial”, permitindo a sua importação.

Porém, de acordo com Perini e Prochmann (2018), a administração terapêutica dos produtos em questão permanece considerada experimental e restrita ao uso compassivo, ou seja, em casos em que os demais medicamentos registrados no país se mostraram ineficazes (BRITO; CARVALHO e GANDRA, 2017). No Brasil, a despeito do permissivo do parágrafo único do art. 2º da Lei 11.343/06, o cultivo de cannabis não possui regulamentação, de modo que o tratamento dos pacientes se encontra condicionado à importação excepcional, e, mais recentemente, à aquisição dos produtos em território nacional, dada a criação de uma nova categoria denominada “produtos derivados de cannabis” pela Anvisa (PERINI E PROCHMANN, 2018).

No entanto, por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu salvo-conduto para diversos pacientes medicinais cultivarem cannabis com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem correrem o risco de repressão. Concluindo assim que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa quaisquer riscos de lesão à saúde individual, saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico. Essa decisão abre caminho para mais pacientes medicinais conseguirem o salvo conduto ou o habeas corpus para o auto cultivo. No caso, o Habeas Corpus não dá permissão para o plantio, apenas garante que o indivíduo não seja preso, em caráter de excepcionalidade, pois está plantando em benefício da própria saúde. O cultivo de cannabis não é legalizado no Brasil, embora, cultivar e fabricar medicamentos para si ou para terceiros, se reflita no direito à vida, à liberdade e à saúde, garantidos pela Constituição Federal (FIGUEIREDO e OTERO, 2016).

A questão financeira ainda é um grande problema para o tratamento de patologias com os óleos e flores da cannabis, visto que os produtos são cotados em dólar e precisam ser importados, o que torna os seus custos elevados. Em pesquisa publicada em março de 2017, a Associação Brasileira de Pacientes de cannabis Medicinal – AMA+ME já havia apontado o elevado custo dos produtos importados, afirmando que o importe médio de um tratamento pode variar de R$ 1.020,00 a mais de R$ 21.000,00 mensais (PERINI, PROCHMANN e GONÇALVES, 2018).

Apesar dos estudos científicos oferecerem evidências da eficácia da cannabis para fins medicinais e terapêuticos, os projetos de lei avançam a passos lentos por motivos de pauta política e interesses econômicos e não serão agendas do estudo em questão. É importante citar que os projetos de Lei não contemplam em nenhum momento o auto cultivo doméstico para fins terapêuticos, considerado por muitos o pilar principal para o barateamento e a disseminação do acesso aos medicamentos originários da cannabis (OLIVEIRA, 2021).

No Brasil, a falta de regulamentação do cultivo e dos procedimentos de produção de remédio de forma artesanal, sujeitam as famílias beneficiadas com as propriedades desta planta a consequências penais e a formulações não eficazes devido à padronização inadequada e falta de controle de qualidade (OLIVEIRA, 2021). Além disso, a dificuldade do acesso e a necessidade desses produtos faz com que as famílias recorram a cultivo doméstico, de modo clandestino (OLIVEIRA; VIEIRA e AKERMAN, 2020), ou através de habeas corpus preventivo com o objetivo de obtenção de salvo-conduto para permissão de autocultivo (BORGES e MONTEIRO, 2019), como também de forma associativista, em instituições que produzem esses óleos caseiros para associados por valores inferiores ao do mercado (FERREIRA e FILEV, 2020).

Sendo assim, o presente estudo trata ainda de um tema sensível, ainda que um conjunto de países já tenham avançado na legalização na agenda contributiva para a promoção de saúde para um grande nicho de pacientes de diversas enfermidades. Tendo em vista bons resultados para pacientes de diversas patologias diferentes no que diz respeito à tratamentos com cannabis, é lamentável que pacientes e familiares precisem ter custos altíssimos para ter uma maior qualidade de vida, que poderia ser sanado por meio da produção nacional ou auto produção doméstica de cannabis para o próprio tratamento.

Nos países e estados em que a autoprodução ou a produção nacional para fins terapêuticos é legalizada e regulamentada é possível observar ganhos na qualidade de vida e amortecimento das despesas com medicamentos importados.O movimento de permitir o auto cultivo para pacientes medicinais vem cada vez mais ganhando força até nos estados que estão mais avançados na legalização da cannabis. 

É importante citar que, se em alguns casos de Habeas Corpus ou salvo-conduto, o auto consumo e cultivo é possível, há uma lacuna técnica no cultivo/plantio à todo resto inerente. Isso acontece devido a complexidade desse sistema de produção, é relevante que sejam observados pacientes e familiares com distintos conhecimentos. Na maioria dos pedidos de Habeas Corpus, é importante para obter sucesso que o paciente ou responsável consiga comprovar que sabe cultivar. Algumas associações como a Associação de Apoio à Pesquisa e à Pacientes de cannabis Medicinal (APEPI) promovem cursos de cultivo, extração de óleos medicinais e até cursos médicos.

Porém, o cultivo e extração são atividades complexas, que exigem toda uma grande gama de equipamentos, fertilizantes, ferramentas, conhecimentos multidisciplinares e bastante tempo de estudo para o êxito. Um estudo que utilizou dados provenientes de pesquisa online na web de cultivadores de cannabis predominantemente em pequena escala em onze países conduzido pelo Consórcio Global de Pesquisa em Cultivo de cannabis (GCCRC) mostrou alguns pontos importantes: 

  1. Custo, provisão para uso medicinal e pessoal estavam entre as principais razões para o crescimento do ato de cultivar domesticamente em todos os países  (POTTER et al. 2016)

  2. 33% dos entrevistados não conseguiram ter sucesso na primeira colheita. (POTTER et al. 2016)

  3. 17% tiveram ao menos duas tentativas fracassadas antes de sua primeira colheita bem-sucedida. (POTTER et al. 2016)

Tendo em vista as condições de contorno supracitadas, o presente estudo possui como objetivo realizar um levantamento das tendências globais perante a legalização, produção nacionalizada do cultivo e auto produção doméstica de cannabis, através da identificação e caracterização das pesquisas que relacionam o cultivo e autoprodução doméstica nos países aderentes. A partir disso o estudo pretende responder às seguintes questões: Quais são as motivações e impactos da legalização do cultivo e/ou da auto produção de Cannabis Sativa nos países que aderiram? 

O presente estudo é relevante para incluir na agenda acadêmica um tema tabu, discriminado por grande parte da sociedade, com benefícios comprovados dos medicamentos à base de cannabis e também benefícios financeiros para o país. Também serve para sinalizar sob perspectiva técnica a complexidade da cadeia de produção, mesmo para auto consumo, contribuindo com a oferta de números capazes de assegurar os benefícios não só clínicos como financeiros da autoprodução.


2. Metodologia


Para desenvolver e fundamentar teoricamente este estudo, por meio da identificação de trabalhos e artigos, optou-se por realizar uma revisão sistemática da literatura por meio da consulta de periódicos disponíveis nas bases de dados Web of Science e PubMed. De 20 de setembro de 2022 a 04 de outubro de 2022, foram realizadas buscas por meio do Portal de Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Para apoiar o levantamento das palavras ou expressões-chave, o referido protocolo propõe o acrônimo PICO que representa um acrônimo para População, Intervenção, Comparação e “Outcomes” (desfecho). Para desenvolver e fundamentar teoricamente este estudo, por meio da identificação de trabalhos e artigos, optou-se por realizar uma revisão sistemática da literatura por meio da consulta de periódicos disponíveis nas bases de dados Web of Science e PubMed. De 20 de setembro de 2022 a 04 de outubro de 2022, foram realizadas buscas por meio do Portal de Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Para apoiar o levantamento das palavras ou expressões-chave, o referido protocolo propõe o acrônimo PICO que representa um acrônimo para População, Intervenção, Comparação e “Outcomes” (desfecho). No Quadro 1 estão sistematizadas as etapas de definição das palavras-chave utilizadas referentes ao Acrônimo PICO da revisão bibliográfica da produção de cannabis.


P – Population

patients, cultivators, gardener, grower, producer, breeder

I – Intervention

cannabis, cannabidiol, small-scale cannabis cultivation, cannabis self cultivation, cannabis cultivation, cannabis farming, cannabis gardening

C – Comparison

Não aplicável nessa pesquisa

O – Outcome

Não aplicável nessa pesquisa

Quadro 1 - Palavras-chave Acrônimo PICO para autoprodução de cannabis para uso próprio

Fonte: Elaboração própria


Após a escolha das palavras-chaves, foi possível definir o string de pesquisa, acrescentado dos conectores booleanos OR e AND para serem aplicados na base de dados Web of Science. No Quadro 2 está formulado a construção do string de pesquisa para busca avançada nas bases de dados:


Construção do STRING de pesquisa para busca avançada nas bases de dados

População

Conector Booleano

Intervenção

patients, cultivators, gardener, grower, producer, breeder

AND

cannabis, cannabidiol, small-scale cannabis cultivation, cannabis self cultivation, cannabis cultivation, cannabis farming, cannabis gardening

=((patients OR cultivators OR gardener OR grower OR producer OR breeder) AND ( cannabis OR cannabidiol ORsmall-scale cannabis cultivation OR cannabis self cultivation OR cannabis cultivation OR cannabis farming OR cannabis gardening))

Quadro 2 - Construção do String de pesquisa para busca avançada

Fonte: Elaboração própria

A partir da formulação do string de pesquisa apresentado no Quadro 2, foram realizadas as pesquisas na base de dados Web of Science. As pesquisas foram realizadas com o uso de palavras-chave em inglês. Inicialmente, a base reportou 133 resultados que, após a aplicação dos filtros e triagens indicados no Quadro 3, resultaram em 10 artigos como núcleo de partida. Os utilizados estão descritos no Quadro 3, a seguir:


Etapas

Artigos resultantes

Query

133

Triagem de títulos

 15

Triagem por resumo/ abstract

 12

Leitura skimming (leitura rápida)

11

Leitura scanning (leitura profunda)

10

Núcleo de partida

10

Quadro 3 - Etapas de seleção e filtragem dos artigos encontrados no Web of Science

Fonte: Elaboração própria

A partir da análise desse string, pode-se ver que o tema da produção de cannabis está na fronteira do conhecimento no ambiente acadêmico, com a primeira pesquisa científica sendo realizada em 2002 e com um baixo número de publicações científicas nos anos que seguem.  À medida que a discussão do tema aumenta,a partir de 2012, pode-se observar um aumento no número de trabalhos publicados. Os dados indicam que os trabalhos publicados são poucos e a grande maioria recente, entre 2018 a 2022 . É muito provável que, à medida que a discussão sobre esse tema aumente, o número de pesquisas e publicações de obras também aumente nos próximos anos. A Figura 1 ilustra a série histórica das publicações concernentes à temática:


Figura 1 - Evolução histórica das publicações científicas que relacionadas à autoprodução de cannabis

Fonte: Elaboração própria

A última etapa de seleção foi realizada através da leitura profunda do material, com o objetivo de identificar os trabalhos com maior potencial de contribuição para a elaboração de uma revisão da literatura consistente. A partir dos trabalhos analisados, por meio das citações e referências, foi possível encontrar outros 5 trabalhos que trouxeram uma aderência e incrementaram positivamente para o tema da pesquisa. O resultado final está consolidado na Quadro 4:


#

Título

Autores

Fonte

Ano

1

The case for small-scale domestic cannabis cultivation

Tom Decorte

International Journal of Drug Policy

2009

2

Small scale domestic cannabis cultivation: An anonymous Web survey among 659 cannabis cultivators in Belgium

Tom Decorte

Contemporary Drug Problems

2010

3

Growing medicine: Small-scale cannabis cultivation for medical purposes in six different countries

Hakkarainen et al.

International Journal of Drug Policy 

2014

4

Global patterns of domestic cannabis cultivation: sample characteristics and patterns of growing across eleven countries

Potter et al.

The International Journal of Drug Policy

2015

5

Green, green grass of home – Small-scale cannabis cultivation and social supply in Finland 

Hakkarainen e Perälä

Friendly Business

2016

6

Cannabis cultivation: Methodological issues for obtaining medical-grade product

Chandra, Lata, ElSohly, Walker e Potter

Epilepsy & Behavior

2016

7

“The difference is in the tomato at the end”: Understanding the motivations and practices of cannabis growers operating within Belgian cannabis Social Clubs

Mafalda Pardal

International Journal of Drug Policy

2018

8

How Close to the “Honeypot?”: A Comparative Analysis of cannabis Markets Under Two Different Policies Toward Personal Cultivation

Belackova, Brandnerova e Vechet.

International Criminal Justice Review

2018

9

Characteristics of cannabis cultivation in New Zealand and Israel

Wilkings, Sznitman, Decorte et al.

Unit of Alcohol, Drugs and Addictions, National Institute for Health and Welfare (THL)

2018

10

Early evidence of the impact of cannabis legalization on cannabis use, cannabis use disorder, and the use of other substances: Findings from state policy evaluations

Rosanna Smart e Rosalia Pacula

The American Journal of Drug and Alcohol Abuse

2018

11

O CULTIVO DE CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS TERAPÊUTICOS E A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO

Perini, Prochmann e Gonçalves

Política sobre Drogas e Direito Penal

2018

12

Examining the blurred boundaries between medical and recreational cannabis – Results from an international study of small-scale cannabis cultivation

Hakkarainen et al.

National Institute for Health and Welfare (THL), Alcohol, Drugs and Addictions Unit

2019

13

Evaluating the impacts of cannabis legalization: The International Cannabis Policy Study

Hammond et al.

International Journal of Drug Policy

2020

14

Cultivo de cannabis medicinal: fortalecendo a autonomia do paciente

Rafaely Daísy Silva Oliveira

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Farmácia da Universidade Federal de Campina Grande, 

2021

15

Legalisation and Liberalisation of Cannabis: The Benefits

and Drawbacks of the Global Trend

Fasesan e Carson

Annals of Health Research

2022

Quadro 4 - Trabalhos selecionados após a revisão sistemática da literatura

Fonte: Elaboração própria


3. Análise


Com intuito do aprofundamento da pesquisa, foi realizada uma análise dos países de origem das pesquisas, conforme ilustrado no Quadro 5. Os países de origem dos estudos incluídos na revisão sistemática foram: Bélgica (3 estudos), Brasil (2 estudos), Canadá (1 estudo), Finlândia (4 estudos), Nigéria (1), Nova Zelândia (1 estudo) e, por fim, Estados Unidos da América (3 estudos)

Quadro 5 - Análise dos países de origem das pesquisas

Fonte: Elaboração própria

Ao observar as pesquisas relacionadas ao cultivo e produção de cannabis é possível verificar que a Finlândia e a Bélgica se destacam.  Na Bélgica, isso se deve a diversos fatores, primeiramente as taxas de consumo de cannabis na Bélgica têm aumentado constantemente em todo o país desde o século 20, e o cultivo de cannabis continua a se expandir rapidamente em escala nacional. Apesar do retrabalho legal significativo das leis relacionadas à cannabis desde 2010, alguns elementos do consumo e cultivo de cannabis são considerados dentro de uma “área legal cinzenta” da lei belga, aliado disso, o esforço legal para restringir o cultivo diminuiu gradualmente, resultando em um aumento do crescimento e consumo de cannabis e produtos relacionados à cannabis.

Ao analisar a Finlândia vemos um caso mais ambivalente, o cânhamo foi a principal cultura da Finlândia nos séculos 18 e 19, mas o século 20 trouxe a proibição para muitos países, e a Finlândia não foi exceção. Atualmente é ilegal usar ou possuir cannabis na Finlândia para fins recreativos. Para uso medicinal, a cannabis é legal desde 2012. Porém, de acordo com o THL (Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar) o consumo e o cultivo estão em crescimento no país visto que houve uma queda dos esforços para realizar as punições e que houve um aumento do interesse do país na legalização. Na prática, a posse de até 10 gramas de haxixe ou 15 gramas de cannabis é considerada uso pessoal e acarreta multa de 10 a 20 dias de prisão. Enquanto isso no Brasil, temos casos como da jovem Irene, presa aos 18 anos com 4 gramas de cannabis e que havia sido condenada em primeira instância pela Justiça de Avaré (interior de SP) a 8 anos e 10 meses de prisão por tráfico de drogas e associação ao tráfico, obteve vitória parcial na segunda instância e teve a pena de prisão reduzida para 1 ano, 11 meses e 10 dias de prisão e multa. 

Além disso, é importante observar a grande participação dos USA no número de pesquisas, isso se deve principalmente ao fato de que, o cultivo em larga escala foi estabelecido há um grande período de tempo comparado com outros países (POTTER, 2011). O uso medicinal da cannabis é legal com recomendação médica em 37 estados e o uso recreativo da maconha foi legalizado em 21 estados, toda essa forte presença da cannabis no país alavancou fortemente a pesquisa científica sobre o tema no local.

Para ilustrar a revisão sistemática da literatura realizada com base nos objetivos propostos pela pesquisa será utilizado o VOSViewer, VOS significa visualização de semelhanças.. VOSviewer é um programa desenvolvido para construção e visualização de mapas bibliométricos (VAN ECK e WALTMAN, 2010). A partir dele foi possível identificar os padrões e similaridades entre as pesquisas encontradas. Identificaram-se 2 macro-atributos e 18 palavras chaves, conforme ilustrado na Figura 2, os quais possibilitaram realizar uma análise mais profunda da pesquisa.


Figura 2 - Identificação das palavras chave relacionados ao cultivo e produção de Cannabis

Fonte: Elaboração própria


4. Discussão de Resultados


O uso regional é maior na América do Norte, Oceania e África Ocidental, com uma prevalência de 10 a 25%, seguido pela Europa e outras regiões. Além disso, o uso de cannabis é mais comum entre adolescentes e jovens adultos (por exemplo, 15 a 25 anos). Nesse grupo, a prevalência é de 25% ou mais em regiões de alto uso, muitas vezes maior do que o uso de tabaco. (CARLINER, BROWN, SARVET e HASIN, 2017; ESPAD GROUP, 2016; United Nations Office on Drugs and Crime, 2020).

O interesse que ressurgiu na cannabis atualmente é, no entanto, muito debatido (WHITING et al., 2015, WILKINSON e D'SOUZA, 2014). Uma controvérsia chave no debate é a relação entre uso médico e uso recreativo. Em contraste com os efeitos terapêuticos do uso medicinal, o uso recreativo é motivado pelos componentes psicoativos da cannabis e pelo gozo e prazer que estes podem produzir (HAKKARAINEN e DECORTE, 2019).

Os opositores da cannabis medicinal argumentam que a maioria daqueles que se definem como usuários de cannabis medicinal estão simplesmente justificando seu uso recreativo alegando fins médicos (EISENSTEIN, 2015; WILKINSON & D'SOUZA, 2014). No entanto, pesquisas sugerem que, embora normalmente se automediquem sem autorização, muitos usuários de cannabis medicinal estão tratando problemas de saúde diagnosticados por um médico (HAKKARAINEN et al., 2015). De fato, para muitos usuários médicos, a cannabis serve como um substituto para a medicina convencional (COOMBER et al., 2003; DAHL e FRANK, 2011; REIMAN, 2007; REINARMAN et al., 2011; WARE et al., 2005).

Na prática, há muitas dificuldades em definir quando as pessoas estão usando cannabis para fins medicinais e quando é recreativo. Portanto, alguns estudiosos sugeriram que o uso médico e recreativo não devem ser vistos e empregados como termos exclusivos, mas sim como um continuum (REINARMAN et al., 2011). De fato, os motivos para o uso recreativo e medicinal da cannabis podem ser muito semelhantes às vezes. Pessoas gravemente doentes podem não depender apenas da cannabis para controlar os sintomas debilitantes de suas condições médicas, mas também usá-la para melhorar sua sensação geral de bem-estar (COOMBER et al., 2003; WAISSENGRIN et al., 2015).

Nas últimas três décadas, a produção de cannabis mudou gradualmente, embora em graus variados, de países produtores tradicionais para um maior número de países, que são capazes de abastecer o seu próprio mercado interno, em diferentes níveis(ALVAREZ, GAMELLA, e PARRA, 2016; ATHEY, BOUCHARD, DECORTE, FRANK e HAKKARAINEN, 2013; BARRATT et al., 2012; BELACKOVA e ZABRANSKY, 2014; DECORTE, 2007, 2010a, 2010b; EMCDDA, 2012; HOUGH et al., 2003; POTTER et al., 2015; POTTER, BOUCHARD e DECORTE, 2011; WILLIS, 2008). A maior parte da cannabis agora é produzida internamente nos Estados Unidos (GETTMAN, 2006; REUTER, CRAWFORD e CAVE, 1988; WEISHEIT, 1992), Canadá, Nova Zelândia, Holanda e Reino Unido. Alguns outros países europeus, incluindo a Bélgica, também aderiram a esta tendência. Com o advento do cultivo interno e a disponibilidade de conhecimentos técnicos e técnicas de cultivo, a cannabis está sendo produzida em larga escala na maioria dos países desenvolvidos. (POTTER et al. 2011)

Até recentemente, a pesquisa sobre o cultivo de cannabis consistia principalmente em estudos de países singulares. Dada a popularidade mundial da cannabis e a recente disseminação do cultivo de cannabis para países que tradicionalmente não usam técnicas de cultivo indoor para produzir cannabis ou não produzem no geral, agora é viável a produção estudos comparativos internacionais (e.g. NGUYEN e BOUCHARD, 2010; POTTER e DANN, 2005; WEISHEIT, 1991; BELACKOVA e VACCARO, 2013; BELACKOVA et al., 2015; BOUCHARD, 2007; BOUCHARD et al., 2009; DECORTE, 2008, 2010; DOUGLAS e SULLIVAN, 2013; HAKKARAINEN, FRANK, PERÄLÄ e DAHL, 2011; HAKKARAINEN, PERÄLÄ e METSO, 2011; HAMMERSVIK et al., 2012; MALM, 2006; PLECAS et al., 2005; POTTER, 2010; WEISHEIT, 1992; WILKINS e CASSWELL, 2003).

De acordo com Spindle e Cone (2018), o uso medicinal da planta foi aprovado em 37 estados dos EUA e o uso recreativo foi permitido em 21 estados. Vários países da União Européia e de outros lugares também aprovaram a cannabis para uso medicinal (por exemplo, Austrália) e não medicinal (por exemplo, Uruguai e Canadá). Correspondendo a essas mudanças de política e ao surgimento de novas pesquisas, o dano percebido associado ao uso de cannabis diminuiu. 


Figura 3: Estado legal da cannabis para uso medicinal no mundo, 

Fonte: Wikipedia contributors. Legality of cannabis. Wikipedia, The Free Encyclopedia. 


Figura 4: Estado legal da posse de cannabis para uso recreativo no mundo,

 Fonte: Wikipedia contributors. Legality of cannabis. Wikipedia, The Free Encyclopedia. 

A liberalização e legalização da cannabis em certos países, juntamente com a redução da percepção de danos, aumentaram significativamente o uso de cannabis e as taxas de Transtorno do Uso de Cannabis (CUD). O transtorno do uso de cannabis (CUD), também conhecido como dependência de cannabis ou dependência de cannabis, é definido na quinta revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e CID-10 como o uso continuado de cannabis, apesar da deficiência clinicamente significativa .Assim como outras substâncias, existem potenciais efeitos adversos da cannabis com uso agudo e crônico. O uso precoce na adolescência e o uso prolongado ou pesado de cannabis estão associados a alterações no desenvolvimento do cérebro, resultados educacionais ruins, comprometimento cognitivo e diminuição da satisfação e realização com a vida. (FASESAN e CARSON, 2022)

De acordo com Fasesan e Carson (2022), nos EUA, a luta dos cidadãos pela legalização da cannabis medicinal e recreativa levou à promulgação de leis sobre a cannabis. O público opinou que o uso de cannabis era comum entre jovens adultos, apesar da ilegalidade, e que a cannabis causa menos danos do que álcool, tabaco e opióides. A pesquisa pública alegou que a criminalização do uso de cannabis, a partir de prisões e registros criminais dos usuários, causou mais danos do que o uso de cannabis por conta própria. As massas também argumentaram que essas leis criminais visam desproporcionalmente as populações minoritárias, como afro-americanos e latinos. A legalização do uso adulto é uma regra social melhor do que a criminalização. O objetivo da legalização nos EUA é eliminar o mercado ilícito de cannabis e regular a produção e venda de cannabis para proteger a saúde pública e minimizar o vaping juvenil. (HALL e LYNSKEY, 2020)

Conforme mencionado por Fasesan e Carson (2022), as consequências da legalização do uso recreativo e medicinal da cannabis nos Estados Unidos foram as mais diversas. Foi registrada uma redução substancial no custo da cannabis. Houve um impacto positivo na geração de receita por meio dos impostos. Os produtores agora produzem em larga escala e não mais em segredo, o que serviu para reduzir ainda mais os preços no atacado e no varejo. Além disso, a legalização aumentou a potência aumentando o teor de THC para 70% ou mais/grama em extratos de cannabis, cannabis comestíveis e bebidas com infusão de cannabis para lucros máximos, o que pode trazer problemas no futuro, devido à disponibilidade, prazer intenso, baixo custo e percepção reduzida dos danos da cannabis pelos usuários, dando origem a uma alta demanda por tratamento de cannabis em serviços de dependência. Pessoas mais jovens, provavelmente usuários crônicos e pesados, são especialmente vulneráveis. 

Uma outra consequência deveras interessante foi que, de acordo com Fasesan e Carson (2022), as queixas de dor foram responsáveis ​​por mais da metade de todas as visitas clínicas anuais nos Estados Unidos.Recentemente, os estudos sobre a cannabis se expandiram exponencialmente, e o uso da cannabis para controlar a dor tornou-se um dos sub tópicos mais pesquisados. Vários estudos, incluindo vários ensaios clínicos randomizados e controlados, provaram a farmacoterapia eficaz da cannabis para a dor (HILL; PALASTRO; JOHNSON; DITRE, 2017). Os estados com autorização para cannabis medicinal agora têm uma taxa mais baixa de mortalidade anual por overdose de opióides em comparação com os estados que não têm autorização. Além disso, a proporção de motoristas com teste positivo para opióides após mortes no trânsito diminuiu significativamente nos estados que permitem o uso de cannabis. Porém, a legalização nos EUA também aumentou a frequência de pessoas que procuram tratamento de emergência e hospitalizações pelo excesso de consumo ou extratos muito potentes, que podem resultar em fortes enjôos, vômitos e dores abdominais.

Além disso, a legalização do mercado de cannabis reduziu significativamente o preço e aumentou a potência da cannabis e, à medida que a legalização se tornou política nacional nos Estados. A produção legal de cannabis não é mais em pequena escala e secreta, permitindo que os produtores aumentem a produção, reduzam os custos e os repassem aos consumidores a preços mais baixos. A produção de cannabis poderia se tornar mais eficiente se os estados permitissem que os licenciados cultivassem, processassem e vendessem cânhamo no atacado e no varejo, como fazem no Colorado (HALL e LYNSKEY, 2020).

Além disso, houveram consequências financeiras e de questão de saúde pública positivas em alguns estados, evidências sugerem que a legalização da cannabis em Washington em 2015 levou a uma queda de 16% na demanda por bebidas alcóolicas e uma possível queda de 5% na demanda por cigarros. Washington recebeu US $150 milhões em impostos sobre a cannabis em 2015, o primeiro ano completo após a abertura do mercado. Essas estimativas sugerem que até 37% da receita de cannabis de Washington (US$ 56 milhões) foi canibalizada pelo uso de álcool e tabaco em 2015 (MILLER e SEO, 2018)

Ao analisar a situação da legalização no Canadá, de acordo com Hammond (2020), o Governo Canadense identificou vários objetivos para a legalização da cannabis. Estes incluem: (1) proteger a saúde dos jovens restringindo o acesso à cannabis; (2) prevenção de atividades ilícitas, permitindo a produção lícita de cannabis e garantindo sanções legais apropriadas; (3) reduzir a carga sobre o sistema de justiça criminal; (4) fornecimento de cannabis de qualidade controlada; e (5) garantir que os canadenses entendam os riscos da cannabis. Avaliar o impacto do uso de cannabis é, portanto, extremamente importante para examinar se esses objetivos de saúde pública foram alcançados.

Conforme citado por Hammond (2020), como a cannabis recreativa só foi legalizada recentemente em alguns estados dos EUA e no Uruguai, há relativamente poucas evidências fortes de seus efeitos e as evidências disponíveis são consideradas inconclusivas. As primeiras evidências dos primeiros estados para legalizar a cannabis não medicinal são um tanto intrincadas. Alguns estudos mostraram um aumento no uso adulto de cannabis (Data statistics: Marijuana use in Alaska and the United States, 2016; Colorado Department of Public Health & Environment, 2018; KERR, BAE & KOVAL, 2018, 2017; MILLER, ROSENMAN & COWAN, 2017; PARNES, SMITH & CONNER, 2018; REED, 2018; SMART & PACULA, 2019; Substance Abuse and Mental Health Services Administration National Survey on Drug Use and Health: Comparison of 2008-2009 and 2016-2017 population percentages 50 states and the District of Columbia, 2017; Washington State Office of Financial Management, 2016), enquanto outros mostraram pouco efeito no uso adulto de cannabis (BROOKS-RUSSELL et al., 2019; CERDA et al., 2017; HARPIN, BROOKS-RUSSELL, MA, JAMES & LEVINSON, 2018; JONES, JONES & PEIL, 2018; MASON et al., 2016).

  É importante ressaltar também que, conforme mencionado por Hammond (2020) as evidências até o momento sugerem pouco ou nenhum efeito na prevalência de cannabis entre adolescentes, embora haja alguma evidência de um aumento na prevalência entre adolescentes que já usavam cannabis (SMART & PACULA, 2019). No geral, os efeitos da legalização da cannabis não foram determinados devido à falta de medições longitudinais detalhadas no nível estadual e grupos de pares para distinguir as tendências de longo prazo pré-existentes dos efeitos da legalização (HAMMOND, 2020).

Além disso, no Canadá, conforme citado por Akwasi Owusu-Bempah, professor assistente de sociologia na Universidade de Toronto, a legalização criou uma indústria multibilionária, novos empregos e receita tributária. Também houve menos condenações relacionadas a drogas por cannabis entre os jovens. De acordo com o Statistics Canada, as vendas no varejo ultrapassaram US$ 2,6 bilhões em 2020, um aumento de 120% em relação a 2019. Mas, apesar de alguns sinais positivos, alguns especialistas em saúde temem que o rápido crescimento do setor combinado com a falta de dados recentes sobre possíveis implicações para a saúde pública signifique que isso possa gerar algum tipo de impacto desconhecido, visto que a pesquisa nesta área ainda está em nascimento.

De acordo com Potter (2011), o cultivo em larga escala foi estabelecido há muito tempo em países como Austrália, Canadá, EUA e Nova Zelândia. Com o advento das técnicas de cultivo interno e a ampla disseminação de conhecimentos técnicos e tecnologias de cultivo, a cannabis é agora produzida em um nível significativo na maior parte do mundo industrializado. A ONU confirma que a produção de cannabis é um fenômeno verdadeiramente global, com 172 países e territórios relatando o cultivo no Relatório Mundial sobre Drogas de 2008 (UNODC, 2008). Em outros países, há tramitações em andamento para que essa possibilidade de uso de derivados da cannabis para tratamentos seja possível e mais acessível, assim como no Brasil (OLIVEIRA, 2021). Como contradição, observa-se que apesar de o uso estar permitido ou próximo a isso, o custo dos produtos derivados nos mercados legais para venda é economicamente inviável, muito devido aos elevados custos de importação. 

Nesse ínterim, a produção nacional ou autoprodução doméstica é entendida como uma possibilidade para o enfrentamento das enfermidades, associada à viabilidade econômica do início e/ou manutenção do tratamento para fins terapêuticos, pois, conforme citado por Oliveira (2021), as permissões do cultivo de cannabis através de recursos judiciais marcam o apoderamento de famílias em garantir o remédio para suas necessidades terapêuticas. A alternativa de autocultivo abriu o caminho para muitas famílias, dando autonomia e diminuindo os custos, além de garantir os insumos para a produção de óleos artesanais (OLIVEIRA, 2021)

Embora os fatores econômicos sejam um importante impulsionador do cultivo de cannabis, as outras motivações não econômicas também desempenham um papel importante e podem ajudar a explicar o surgimento e a evolução do cultivo de cannabis nos países ocidentais, especialmente entre pequenos agricultores.(POTTER, 2010b; POTTER et al., 2015; POTTER et al., 2011; WEISHEIT, 1991a, 1991b). As pesquisas realizadas internacionalmente com pequenos cultivadores revelaram amplas semelhanças entre os países em termos de demografia dos produtores, métodos e tamanhos de cultivo, razões para o cultivo de cannabis, uso de cannabis e outras drogas, participação em mercados de cannabis e outras drogas e ligação com o departamento de autoridades de justiça criminal. A grande maioria dos produtores de cannabis de pequena escala não tem como principal motivação ganhar dinheiro com o fornecimento de cannabis e raramente se envolve com o tráfico de drogas ou outras atividades criminosas. A partir disso é possível concluir que a auto produção doméstica não representa risco para saúde e segurança pública (POTTER et al., 2015). 

De acordo com Hammond (2020), o impacto da legalização da cannabis depende não apenas de sua legalização, mas também de como ela é regulamentada dentro da estrutura legal. Assim, um dos principais objetivos do Estudo Internacional de Política de Cannabis (ICPS) foi examinar as diferenças nas estruturas emergentes de controle da cannabis, comparando as províncias canadenses que legalizaram a cannabis não medicinal com os estados dos EUA. Diferenças de política entre essas jurisdições "legais" - incluindo níveis de impostos, acesso ao varejo, restrições de idade mínima e restrições de marketing - fornecem oportunidades para avaliar possíveis diferenças na eficácia.

Segundo Hammond (2020), a legalização da produção e venda de cannabis para fins não medicinais é um dos desenvolvimentos mais importantes na política de drogas do último século. Como sugere a história do controle do tabaco, o impacto da legalização é um processo contínuo e não um evento único, e seu impacto na saúde pública é moldado pela forma como os mercados legais são regulados (The health consequences of smoking - 50 years of progress, 2014). Considerando que as principais políticas de controle do tabaco continuam a evoluir após mais de 60 anos de história regulatória, as evidências sobre a eficácia de políticas específicas de cannabis serão importantes para informar a evolução futura das políticas de cannabis e avaliar o impacto geral da legalização na saúde pública.


5. Conclusão


Esta revisão sistemática buscou investigar se a legalização e regulamentação da produção nacional e/ou do auto cultivo doméstico nos países aderentes trouxe impactos positivos para a sociedade local. Na questão financeira, houve um impacto positivo na geração de receita por meio dos impostos e geração de empregos. Na questão da saúde pública, houveram impactos positivos à curto prazo, visto que a legalização da cannabis no geral gerou possíveis reduções no consumo de álcool, tabaco e também de opióides. Além do maior controle do consumo, que serve para impedir o consumo dos extratos de cannabis de crianças e jovens. Os produtores agora possibilitados de produzir em larga escala, resultaram na redução dos custos dos extratos de cannabis, o que é um fator de extrema importância para pacientes medicinais demandantes. As conclusões sobre o aumento do consumo de cannabis entre adultos após legalização são mistas, então são necessários mais estudos. 

Além disso, outros impactos importantes da legalização da cannabis são a redução das atividades ilícitas, a redução da carga sobre o sistema de justiça criminal, uma maior disseminação sobre os riscos e informações sobre a cannabis e, por fim, o fornecimento de um produto final de maior qualidade e qualidade controlada, sem químicos tóxicos e pesticidas. Por fim, nos países e estados em que a auto produção doméstica foi legalizada, foi possível concluir que a mesma não representa risco para saúde e segurança pública. Porém, são necessários mais estudos para definir quais são os requisitos técnicos-financeiros e de manejo necessários para que os pacientes e pequenos cultivadores consigam suprir suas medicações requisitadas por meio do cultivo, visto que o cultivo é uma atividade complexa e que envolve diversos fatores.

Como resultado, espera-se que a compreensão global dos benefícios e segurança da controversa planta de cannabis se aprofunde nas próximas décadas. No geral, os efeitos da legalização da cannabis na saúde pública não podem ser determinados com tanto detalhamento devido à falta de medições longitudinais detalhadas no nível estadual e grupos de pares para distinguir as tendências de longo prazo pré-existentes dos efeitos da legalização. Visto que, o impacto da legalização da cannabis depende não apenas de sua legalização, mas também de como ela é regulamentada dentro da estrutura legal.

Nesse ínterim, a produção nacional ou a auto produção doméstica é entendida como uma ótima possibilidade para o enfrentamento das enfermidades, associada à viabilidade econômica do início e/ou manutenção do tratamento para fins terapêuticos e também para redução de problemas sociais gerados pela falta de regulamentação.


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